1. |
moléculas
02:59
|
|||
medo de ser assassinado pela sua palavra.
passei o dia assustado
não sabia se tinha sonhado
ou te dito acordado que
não parece que vamos nos reencontrar.
combato o silêncio
que não escolhi
discordo de países
que vi você traduzir
sacrifico muito pouco
apenas dez anos ou mais
pra ser o homem do saco
embalado com plástico
guardado embaixo do tanque
com os produtos de limpeza
que dali não saem mais.
aqui não há espaço pros caminhos que trilhei
detrás do anonimato
sempre cientista rei
causando impressões
pela roupa que usei
enquanto queimo canetas
aproveite o holiday
que deus está comigo?
quando rezo é pra pangéia
esticando a ideia de mulheres e homens gigantes no céu
disperso a plateia.
ao escolher não gravar Cosmorrágico apostei no fonema
e com a carta do fonema na mão
sabendo ser o último da rodada
modificando com o fonema a frase
e o filme.
sigo desejando ser interrompido.
ir à ferragista e comprar
cordas.
luvas.
lâmpadas novas, óleo,
óculos novos,
parafusos, para minha saia nova.
meu exercício espiritual é projetar
bolhas azuis de contrapeso
às vermelhas que preciso acalmar
sempre carrego sujeitos nas orelhas
abaixo de qualquer suspeita
suspiro, a médio prazo conspiro,
finjo esquecer das constelações
que revolvo ao realinhar
minha coluna e a caneta
e o topo do crânio
com corpos celestes:
cadeia de carbono imaginária
realizada por cálculos e a verdade na aparência da lua.
realizada pela consciência
da força gravitacional
e da água-molhada-molha.
percebendo primeiro as palmas
depois a mão,
depois o chão e o pé pisando
e os olhos do gato,
depois os ângulos solares
e o sagu universal.
nesse ritmo
em dez anos
ainda não tenho mestrado
mas uma fórmula sintetizada no bolso
quase pronta para ser publicada em zine.
|
||||
2. |
Pompéia Drogaria
01:25
|
|||
Pompéia Drogaria
medicamentos a preço de custo
entregas vinte e quatro horas
abrimos aos domingos
o farmacêutico vai até você
passamos todos os cartões
infelizmente não trabalhamos mais com cheque
a farmácia enquanto experiência holística
aceitamos ligação a cobrar
entregas vinte e quatro horas
essa loja vai longe
o que não temos compramos na concorrência
Pompéia Drogaria
não aplicamos injeções mas te indicamos hospitais a partir da sua localização no google maps
abrimos aos feriados
trabalhamos com canabidiol
desconto para compras no app
Pompéia Drogaria
alívio em gotas ou comprimidos
vendas apenas com receita
|
||||
3. |
||||
4. |
festas
02:07
|
|||
você poderia dizer que não me dei bem no barzim
e que eu já deveria ter tirado a carteira de motorista
e que assim vou acabar sozim numa kitnet
sem nem mesmo ter ouvido da minha experiência fúnebre antes dos cinco
ou da minha cicatriz de patinete
ou do cisto no meu joelho causado
pelo impacto da caminhonete do dono das óticas Nem-Viu na honda biz do meu pai quando voltávamos da escola
em dois mil e três
quando eu acreditava
que o dono da ótica pagaria óculos novos para substituir os que ele atropelou com nós três
quando eu não sabia
a diferença que fazia ter Luiz na presidência do país
você poderia dizer que eu perdi a paciência muitos anos atrás
e teria razão.
eu te daria toda a razão do mundo
e apresentaria documentos
testemunhando meu descarrilhamento estético.
e te explicaria como misturei a equipe de limpeza com o ovo apunhalado e o bloqueio no caminho para o camarim e o boné do Ivo Mamona
fazendo uso da minha credencial de pictoimprensa.
com uma pasta preta.
a novidade ambulante
com um olho na mão
olhando você desde então
e percebendo que seria impossível me aproximar de aglomerações individuadas enquanto eu não tivesse comido os pedaços do muro de mármore.
você poderia dizer que eu não me adaptei
ou que passei tempo demais lendo contos e dois romances do Rick Moody em vez de Gran Sertão Veredas.
e teria toda razão
e eu te daria um planeta embrulhado num cordão
não fosse o conhecimento
do preço de um Guimarães Rosa usado.
mas me convide pro barzim.
na minha mão
dou de ler da biblioteca fantasma
à procura do sinistro livro infanto-juvenil.
um bebê
quietinho que nem eu
com sete anos
levo à escola de ônibus
e de mercedes benz esmagamos
a caminhonete do dono da ótica.
me convide pro barzim.
sou interessantíssimo em festas.
me convide para festas.
eu emulava em festas a personagem esquizofrênica má-diagnosticada
do twitter e do instagram
muito antes de apostar no bingo azul.
me convide para festas sinistras
me convide para festas como Propósito Recs convida
e lá estará meu holograma
ao lado das caixas de som
sentado no chão com duas canetas
cavando cômodos com as mãos no papel
esperando
o próximo Sintoma de Morte
esperando o anzol no córtex
esperando
o objeto caído do céu chegar esperando
dois mil e dezessete chegar
esperando o eu-Daedalus do futuro chegar
e me entregar a carta
|
||||
5. |
atazanas
04:06
|
|||
ratos.
comprar coca na distribuidora
como quem insere linhas de código
no script do bairro.
saber ser do script o bairro
sem remorso,
sem planejamento.
saber ser do planejamento o remorso
sem sobressaltos ou
gastos com glicose
no supermercado.
transitou pelo açougue Valentim
cozinhando de antemão,
salpicando ingredientes emocionais:
agulhas, rolimãs,
mapas desdobrados, maçãs,
bisnetos, canecas,
eleições,
jovens adultos presos por pirataria,
bússolas,
computadores de bolso,
o caldo carregado com concha
para o prato, para o prato,
para o outro prato, para o outro prato.
até quando você vai boicotar
seus reajustes à grande ficção?
ratos
roem os relógios que não tive
e o meu drive de tomar o controle
não sei se estive ou se não estive
resistindo ao impulso de andar como animal
quando ela entrou no ônibus
passou a passar mal
nos assentos amarelos
seis espíritos do mal
deu um mortal pra trás
tomou um comprimido
plugou os headphones
se revestiu de vidro
conferiu sem olhar
a posição do cartão tudo ok.
mas não deu conta: não foi o bastante:
bebeu com os olhos os seis e caiu de joelhos sem ser socorrida.
caiu de novo
e de novo
numa cova e numa cama
e no corredor do centro cultural
e sentiu, mesmo com a máscara,
a coxinha de jaca fora do óleo e fritando
pisaram em seu tornozelo sem olhar pra trás.
ninguém, ali, carregava fogo.
ninguém, ali, comprou uma roupa
como aquela: resgatada do balaio o que espera atingir? não se encaixa, não toca baixo, as lentes da sua câmera estão arranhadas, seu pulso dói, tem três e setenta na conta e o salgado é seis reais, não é mais a enfermeira exorcista, não tem insta, não sabe usar tiktok, perdeu a hora, tocou o alarme, tocaram em minha capa, olhou me viu, tocou o alarme, começou a chover mesmo com sol, um punhado a mais a fritar, conhece aquele casal, não sabe qual é sua opinião, sabe que não suporta estar ali, tocou o alarme, tocou o alarme, tocou o alarme
e estava de volta ao ônibus vazio
com o coração corporativo
e novas incorporações.
sobe outro passageiro:
um rato enrolado no edredom.
senta nos fundos, acena com os olhos,
acende um charuto e ninguém se incomoda.
de headphones
o que escutará?
desce dez minutos depois no ponto da Drogaria Pompéia.
não faz ideia do que encontrará
ao retornar a seu apartamento.
encontra ratos:
sua irmã, o irmão de sua irmã
e a família do vizinho Valentim
que serve a sopa
e tem a tranquilidade de quem
alterou bem o script da sopa
poupando os comedores das folhagens
de aparência duvidosa.
“Parabéns Valentim!” é o que diz
o rato de headphones, agora sem edredom.
“Sua sopa é um sucesso
e até o momento ninguém morreu envenenado.”
|
Streaming and Download help
If you like Marcelo Dakí, you may also like:
Bandcamp Daily your guide to the world of Bandcamp